domingo, 18 de dezembro de 2011

Hipervergonha



“Xingaria muito no twitter”, mas 140 caracteres seriam poucos para o que quero dizer. Fui hoje ao Big e comprei alguns livros. Alguns deles tinham aquela etiqueta em alto relevo, com um código de barras. Paguei, obviamente. Ao sair, os biombos apitaram. Todos que passavam ali perto pararam o que estavam fazendo e ficaram olhando. Voltei e falei com a moça do caixa. Resposta: “Ah, é assim mesmo, é normal. Acontece às vezes.” Fiquei p***, mas não quis “armar barraco”. Fui embora. Ao sair, passei novamente pelos biombos, que mais uma vez apitaram. Um casal ficou olhando para mim de modo mais “agressivo” que outras pessoas, na primeira vez em que as máquinas apitaram.

Creio que dificilmente alguém furtaria algo e passaria pelos biombos, sabendo que um alarme iria soar. É muito mais fácil passar “do lado”, apesar de ser um caminho menos espaçoso. Ou levantar os braços, para que o produto passe acima dos detectores. Passar pelas máquinas com o produto roubado seria muita falta de “noção”. Além disso, como qualquer equipamento, os detectores poderiam apresentar problemas em seu funcionamento. Mais um motivo para que as pessoas pelo menos disfarçassem quando estivessem me condenando.



Conclusão: quando for ao Big e comprar algo com a etiqueta em alto relevo, exija que ela seja removida no caixa. Um bom argumento? "ah, então eu nem vou pagar: quando eu sair vai apitar de qualquer jeito.. é melhor roubar que comprar."
E se você estiver no mercado e os detectores apitarem para alguém, não fique “encarando” a pessoa: talvez ela não esteja roubando.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Sinais de fumaça

Em resposta à tentativa de "compra" da terra ocupada por índios da tribo Suquamish, o chefe Seatle escreveu uma carta ao presidente Franklin Pierce. As palavras do chefe tribal ficaram famosas e a carta, redigida em 1854, foi considerada o primeiro documento ambiental.

Trechos: "... O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro - o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda vida que mantém."



Não sei se procede, pois apesar de descendente dos "homens vermelhos", pelos meus hábitos sou considerada "branca". Ainda assim, posso dizer que sinto o cheiro das cinzas que tornam a pele amarelada: cigarro. Sim, os índios eram conhecedores do tabaco, mas este fazia parte de rituais e não era consumido "o tempo todo". Além disso, não era misturado à nicotina e outras substâncias componentes do cigarro. Provavelmente Seatle concordaria que a fumaça em questão faz parte do "mau cheiro" que o homem branco ignora.

Festinhas de fim de ano, viagens em transporte coletivo e a ocupação de áreas “improdutivas” (destinadas especialmente ao ócio) estão por vir e o presente texto não se trata de mais palavras de esperança e nostalgia associadas ao fim do ano: As linhas a seguir trazem palavras contundentes, sem ternura, numa crítica ácida aos “sinais de fumaça”. Portanto, para garantir o bom humor no resto do dia, pare por aqui! Peço desculpas aos que prosseguirem a leitura e se sentirem agredidos, mas veio a mim um impulso de tratar do tema e talvez mais pessoas tenham o mesmo protesto a fazer.

A decisão de iniciar gradativamente a própria cremação, carbonizando principalmente as vias aéreas, cabe a cada um. Mas vale lembrar que não são só familiares e amigos que lamentam as conseqüências: além dos gastos na área da saúde, pagos inclusive com impostos dos não fumantes, aqueles que convivem (ainda que raramente) com a fumaça, o mau hálito e o odor (agravados quando são consumidos os cigarros “pirateados”) são demasiadamente incomodados.

Viagens de ônibus, por muitas horas, não são das mais confortáveis (exceto em leitos). Certamente pioram se o cheiro de quem está próximo for muito forte. Claro, há fedores e fedores, mas trataremos apenas dos de cigarro. Um de marca conhecidíssima, no “sabor” tarja vermelha, é dito até por amigos fumantes que “fede horrores”. Concordo, mas seria injusto não citar concorrentes à altura (em minha opinião, até mais “socialmente venenosos”): os falsificados, cujo odor chega a causar náuseas. Não é exagero: já viajei por mais de sete horas ao lado de alguém que havia fumado, em seqüência, alguns destes. Foi revoltante e desesperador. Porém, lembrando um princípio de educação e empatia, de modo algum trataria mal a pessoa ao meu lado. Guardei para mim o desconforto daquela ocasião e tentei não ser muito lacônica ao ouvir suas histórias, embora uma reflexão não pudesse deixar de ocorrer: eu estaria mais feliz se existissem lugares reservados aos fumantes nos ônibus, mesmo com a proibição de fumar em seu interior. Assim, a respiração fluiria naturalmente, sem se tornar motivo de estresse.

Praias são ambientes de descanso e diversão, o refúgio após exaustivos meses de trabalho ou estudos. Todos merecem aproveitá-la da melhor forma e entendo que os fumantes tenham o desejo de fumar na praia. Mas é muito desagradável quando, após peregrinar para encontrar um espaço livre para guarda-sol e cadeiras, você se instala e alguém nas proximidades, logo depois, acende um cigarro e o vento leva a fumaça até você. Simultaneamente ao consolo de que o cigarro da pessoa já está no fim, vem à mente o padrão de consumo de cigarros: dificilmente alguém fuma só um cigarro durante um período na praia e por todo o tempo em que cigarros forem acesos, o vento provavelmente não mudará de direção. É realmente irritante, pois ao contrário de um lugar público em que você possa se afastar ou trocar de mesa, a praia tem altíssima densidade demográfica e pouco território disponível para migrações. Além disso, um novo esforço para se fixar o guarda-sol na areia seria feito e não há garantia alguma de que o novo lugar estará livre da fumaça.



Já dizia o pai do cineasta André Abujamra: “ a vida é sua, estrague-a como quiser”. Contudo, afetamos sutilmente a vida alheia a cada escolha que fazemos. Não cabe a mim questionar os motivos que levaram qualquer indivíduo a começar a fumar ou julgar os que não pararam de fumar. Da mesma forma que não fumantes não querem “sua praia invadida”, os fumantes às vezes querem apenas o direito de manter um hábito “em paz”. Cabe a cada ser vivo determinar as concessões que fará para conviver sociedade, mas cada um é dono da própria saúde e não é justo prejudicar os demais por nossos hábitos. Portanto, ao acender um cigarro, lembre-se de há mais seres vivos para inalar a fumaça ao redor.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Liberdade Engarrafada

O recipiente é minuciosamente moldado para que o conteúdo seja mais atraente, um rótulo que descreve a composição das substâncias sem mencionar as conseqüências de sua ingestão. Ao contrário da exigência aos fabricantes de cigarros, dos alertas na embalagem, a indústria da bebida só precisa acrescentar o “beba com moderação”, ao fim de seus anúncios.

O etanol (álcool usado em bebidas) é considerado uma droga lícita, associada à alegria e comemorações (assim como as ilícitas, para os usuários). Seduz por sua publicidade e por ser consumido por boa parte da população. Os rituais de iniciação e “passagem para a vida ‘adulta’” normalmente ocorrem na adolescência e quem não aderir pode sentir-se excluído. Se a descoberta não acontecer nesse período, provavelmente surgirá com a entrada na faculdade, em que é comum jovens saírem de casa e gozarem de mais liberdade para experimentar novas sensações. A ansiedade por aceitação do grupo de convívio não é menor: longe da família e dos amigos, é preciso suprir a necessidade de afeto com pessoas antes desconhecidas.

Aos mais “carentes”, pode ser difícil negar a participação em certas “brincadeiras” ou manter-se inibido em festas, diante da vontade de dançar ou aproximar-se de um candidato (ou candidata) a um relacionamento amoroso.
Creio que à maioria beber não é grande problema: socialmente, entre amigos, as conseqüências mais comuns são ressaca, vômitos e relatos que farão parte do anedotário da turma. Pode haver algum efeito mais grave, como um coma alcoólico, uma briga violenta ou acidente de trânsito. Nesses casos, um deslize momentâneo pode trazer efeitos irreversíveis e sofrimento, inclusive às famílias dos envolvidos. Porém, apesar de não ser inteligente “dar chance ao azar”, conhecer novas sensações e testar os próprios limites faz parte do amadurecimento. Mas ainda que o acaso não faça vítimas instantâneas, existem indivíduos mais sensíveis à ingestão do álcool etílico, passíveis de desenvolver doenças como a cirrose hepática ou a dependência.

Alguém fantástico que se perdeu:
http://www.goal.com/br/news/619/especiais/2011/12/04/2787649/nunca-haver%C3%A1-igual-a-trajet%C3%B3ria-do-doutor-s%C3%B3crates-1954-2011

O composto engarrafado cria a ilusão de que não há limites para as vontades humanas. O mundo se torna mais bonito e atraente, a vida faz mais sentido naquelas horas em que mergulha na “felicidade”. Alguns nem se lembram do que viveram inebriados. A dependência é expressa tanto em manifestações corpóreas quanto na depressão ao “acordar do transe”. Frágeis como um copo de vidro tornam-se a auto-estima e as relações sociais dos dependentes. Aos fortes, vem a disposição para emergir do álcool e deixar de castigar o próprio corpo e as pessoas com quem convivem.

Estes passam a combater os desejos mais ardentes de voltar ao universo dos sonhos, para não comprometer a própria realidade. Ignorar os persistentes comerciais de cerveja e seu incentivo ao consumo excessivo do produto, além de sua proteção (se necessário) com a própria vida, ao salvá-lo de tubarões e desastres naturais.

Cerveja e terremoto
http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&NR=1&v=wD6-QeagcAE

Aliás, aquele da Skol, do pára-quedas, é plágio da Budweiser:
http://www.youtube.com/watch?v=TdTeBwtUmkI


Enfrentam a publicidade de uísque e outras bebidas, além das implicações sociais de não tomar vinho ou champanhe (especialmente nas festas de fim de ano). Convivem com preconceito, privações e a batalha de reconstituição das relações sociais assoladas pelo alcoolismo. Nada mais justo que lembrá-los, ao menos um dia no ano: Nove de dezembro, dia do alcoólico recuperado.

Drinks sem álcool: http://www.youtube.com/watch?v=D3kotColQhw&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=eZaogIWhW4o&feature=related

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O paradoxo do machismo

Cultua-se aquilo que se admira, um motivo de inspiração. Pode ser por desejo de "posse" ou modelo a ser seguido. Mas se o indivíduo cresce, tornando-se o que admirava e não deixa de cultuar os modelos a serem seguidos, o que resta é o desejo de posse.

A crença de que o homem é superior à mulher só seria pertinente, partindo de um homem, se este admirasse outros homens mais do que as mulheres. A crença, além de pretexto para que ordens sejam dadas sem empatia, pode ser motivo para todo tipo de agressão.

Agressão não se resume a atos físicos: pode ser verbal ou partir de atitudes direcionadas ao constrangimento alheio. Portanto, pode ser causada por humilhação, traição e ameaças.

Razões da violência? Possivelmente a frustração com o padrão de heteronormatividade e de ter de parecer heterossexual (por isso ser casado). O cônjuge passa a detestar a esposa e tenta encontrar prazer "experimentando" várias mulheres, às vezes simultaneamente. Mesmo assim não se sente realizado. Passa a odiar as mulheres em geral e decide maltratá-las. Resta à esposa conviver com um homem contundente, que agride não só a ela, mas aos filhos e qualquer um que assista às cenas de maus tratos. Os braços fortes que deveriam proteger a família passam a atacá-la. Um homem que poderia ser exemplo para seus filhos torna-se seu maior inimigo e motivo de vergonha.

Em pesquisas realizadas, constatou-se que a maioria das mulheres suporta a violência doméstica por questões financeiras. As dificuldades para conseguir o próprio sustento e o dos filhos impõem a permanência na mesma casa do agressor. Mas há aquelas que, apesar de tudo, não perdem a capacidade de amar e têm a esperança de que o marido mude. Não mudará. A diferença será visível apenas nos filhos, que terão sempre memórias do convívio familiar e poderão perder muitas das melhores coisas da vida, inclusive a capacidade de acreditar no amor.

domingo, 20 de novembro de 2011

Melanina cultural

A escravidão foi parte da cultura de diversos povos, que assim puniam devedores e prisioneiros de guerra. Em relações ecológicas, algumas espécies praticam o esclavagismo, como ocorre quando formigas aprisionam um pulgão. No Brasil, apesar da persistência do trabalho escravo em algumas circunstâncias (mesmo com a proibição legal), o exemplo mais marcante da prática foram os trabalhos forçados dos africanos que aqui chegaram. Muitos não aceitavam as condições impostas, tentando a fuga daquela situação até por meio de suicídio. Os que conseguiam escapar "com vida" mudavam-se para os quilombos.

Em 20 de novembro de 1695, foi morto nas proximidades de Recife o líder quilombola mais famoso da história brasileira: Zumbi dos Palmares. A data tornou-se o dia da consciência negra. Ao contrário do que muitos pensam, Zumbi não foi o fundador do Quilombo dos Palmares: a comunidade teria surgido com o líder Ganga Zumba. Sua liderança foi passada à Zumbi quando os integrantes recusaram-se a aceitar um "acordo de paz" com a coroa portuguesa, ao qual Ganga Zumba quis aderir. Zumbi discordou e seus colegas o escolheram para comandar o quilombo.

Alguns historiadores afirmam que no quilombo todos eram livres, estando entre eles índios e brancos de baixa renda. Outros dizem que havia escravos no próprio quilombo, sendo Zumbi resistente apenas à própria escravidão, tendo perseguido negros que se recusavam a permanecer no quilombo. Mas a maioria concorda quanto à sua atuação contra as constantes investidas militares na região, sendo o líder figura fundamental para a preservação daquela comunidade. Portanto, tornou-se símbolo da resistência negra e da luta pela liberdade.


Monumento em homenagem a Zumbi, no Rio de Janeiro.

Quase um século após a morte de Zumbi ocorreu a Revolução Haitiana, que determinou a independência e (conseqüentemente) a abolição da escravidão no Haiti, pois a população era predominantemente escrava. A batalha na colônia de Saint-Domingue, que culminou no rompimento com a coroa francesa (metrópole), fez do Haiti o primeiro país governado por afrodescendentes.



Quase cem anos depois, em 1888, o Brasil decretou o fim do trabalho escravo. Leis anteriores surtiram pouco efeito, pois eram incoerentes com a realidade vivida pelos negros: a Lei do Ventre Livre, de 1871, libertava recém-nascidos, mas mantinha seus pais escravos. A Lei dos Sexagenários, de 1885, libertava escravos com mais de 60 anos. Pouquíssimos atingiam a faixa etária e se atingissem, não teriam condições físicas de trabalhar pelo próprio sustento. O Brasil foi a última nação ocidental a abolir a escravidão.

Mesmo após a libertação dos negros, havia políticas que tratavam-nos como pessoas inferiores. A Revolta da Chibata, ao final de 1910, partiu de afrodescendentes da marinha brasileira, contra castigos corporais. Em 1948, foi adotado na África do Sul o Apartheid, que negava aos não caucasianos a presença em determinadas escolas e hospitais, além de dividir o espaço público entre áreas para brancos ou negros (Lei de Reserva dos Benefícios Sociais). Surgiram também leis de proibição de casamentos mistos (inter-raciais), áreas de agrupamento (definia locais em que determinadas etnias poderiam fixar-se). Criou-se a classificação dos afrodescendentes como "bantus", eliminando sua cidadania sul-africana e oferecendo-lhes um sistema educacional diferenciado (incentivo ao trabalho braçal).

Nelson Mandela foi ativista contra o Apartheid. Foi condenado à prisão perpétua, por recusar-se a abandonar suas reivindicações. Foi liberado após 28 anos de reclusão, por pressão da internacional. Foi convidado a integrar o Congresso Nacional Africado e posteriormente eleito o primeiro presidente negro sul-africano.



Contemporânea a Mandela foi a costureira Rosa Parks, negra que se recusou a ceder seu lugar no ônibus para um homem branco, em dezembro de 1955, nos Estados Unidos. O episódio teve grande repercussão e foi o ponto de partida para o manifestações anti-segregacionistas. O pastor Martin Luther King Jr concordou com a atitude de Rosa e passou a pregar, em seus sermões, o amor ao próximo e a não violência como formas de inclusão étnica. É freqüentemente lembrado por este discurso:

http://www.youtube.com/watch?v=yCLCyvF9p7g&feature=player_embedded

Ainda que não inteiramente realizado, seu sonho foi base para a recente realidade de muitos. Em constante transformação, como as células humanas, incluindo os melanócitos (produtores de melanina, pigmento que escurece a pele para protegê-la da ação de raios solares). A secreção em questão torna-se visível externamente, ao contrário de muitas no organismo, que teriam muito mais motivos para serem alvos de atenção. Tão insignificante nas relações humanas, não deveria ser a causa de tanto sangue e lágrimas derramadas. Somos todos da mesma espécie. Mas alguns se mostram mais evoluídos, por sua coragem de superar obstáculos impostos pela ignorância e a falta de altruísmo.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Modelos em escombros

Nesta semana foram divulgadas as imagens de um calendário produzido com modelos do Reino Unido: fuzileiros navais após operações em países asiáticos. Perdas físicas são visíveis, apesar do entusiasmo e da determinação aparentemente perseverantes nos guerreiros, em cenas de práticas de esporte e exercícios em academias. O fotógrafo responsável afirmou que a intenção foi mostrar que "há aspectos positivos na guerra".

Na guerra, corpos e mentes saudáveis são lesados pelo aparato desenvolvido para atingir "o inimigo". O "inimigo", como se vê, é qualquer forma de vida acertada pelo arsenal, não importando a que exército pertença. Pessoas de diversas faixas etárias, animais selvagens ou domésticos, lavouras, todos estão sujeitos à ação dos armamentos. Ainda que voltados a determinados segmentos, como o agente laranja, - desfolhante usado no Vietnã, para facilitar a visualização aérea de possíveis alvos - podem ter efeito catastrófico quando em contato com os demais: o agente em questão causou impactos à vida dos humanos que tocou, além de aumentar as chances de má formação em seus descendentes.

Se há algo de positivo nas conseqüências de uma guerra, especialmente para os soldados, talvez seja a percepção de que a destruição não tem farda: afeta tanto quem tenta causá-la quanto quem dela tenta fugir. Há a chance de surgimento de alguma empatia após essa conclusão: o indivíduo ferido de forma física ou emocional (inclusive pela morte de parentes ou companheiros de batalha) pode imaginar um "oponente" na mesma situação. Infelizmente, essa empatia, se não servir de estímulo aos anseios pela paz, é "consolo" para os rancorosos: seu sofrimento seria semelhante ao dos adversários.



O calendário então é uma forma de conscientização: registro da duração de um ano, em toda a sua "densidade", alusão aos desafios diários da vida dos ex-combatentes. Ex-combatentes? Não: presos a uma eterna batalha de superação, dependentes de um arsenal tecnológico e estratégias para o desvio de arrependimentos e péssimas lembranças do confronto. As fotos são o reflexo de que, diante de um confronto armado, mesmo os mais experientes, fortes e treinados são vulneráveis. Foram produzidas na unidade de Hasler, dedicada aos cuidados com os militares feridos. Na delicadeza das mãos de enfermeiros e fisioterapeutas recuperam-se "corpos sarados" incompletos e mentes deprimidas ou ligeiramente doentes.

Quando oficiais são vítimas de percalços, certas autoridades são mais facilmente sensibilizadas, criando instituições para cuidar dessas pessoas. Os mesmos órgãos são acessíveis a pesquisadores e empresas, não necessariamente conterrâneos, que ali desenvolvem soluções para aumentar o conforto e a mobilidade dos indivíduos. As soluções apresentadas tornam-se disponíveis a vários cidadãos acidentados, portadores de deficiência ou algum problema motor. Nesse caso, a interação entre pessoas diferentes, educadas ou não para pensarem da mesma forma, atende interesses convergentes. Daí poderia vir a mensagem de esperança que o calendário quis transmitir. Portanto, mais útil que sua presença na parede dos civis seria sua existência nas mesas dos gabinetes de políticos, para que as conseqüências de uma guerra e da união entre pessoas sejam sempre lembradas.

Fotos usadas no calendário dos fuzileiros ingleses
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/11/111109_fuzileiros_galeria_fn.shtml

Sugestão de filme sobre a "apologia" à guerra:

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Reitoria e mídia ocupadas



A atuação de policiais no campus da USP – Universidade de São Paulo – divide opiniões... Entre os próprios alunos e poucos indivíduos que buscam uma versão dos fatos diferente da relatada pela maioria dos jornais. Várias pessoas não têm divergências de opinião, já que aceitaram a visão pré-fabricada por determinados meios de comunicação: Taxaram de “vagabundos” e “maconheiros” os manifestantes, sem ao menos tentar descobrir as causas dos protestos e confrontos com a polícia. Claro, eu também não estava lá nos dias em que tudo aconteceu, mas creio que seria interessante fazer algumas considerações.

A “incompatibilidade” entre o movimento estudantil e os policiais é antiga, tendo sua maior expressão no período da ditadura militar. A época é referência para o ativismo de hoje, constantemente interpretado como “rebeldia sem causa”, já que aos olhos de muitos a democracia e a liberdade de expressão já estão devidamente estabelecidas e não há razão para ações tão contundentes.

Atitudes nos protestos nem sempre são condizentes com os ideais pregados: a democracia e a liberdade defendidas são “postas à prova” quando ocorre a depredação do patrimônio público ou a “libertinagem” em relação às substâncias consumidas no campus. Ideologias libertárias e propostas de novas políticas quanto à descriminalização das drogas (por exemplo) tornam-se pretexto para que limites de conduta em ambientes públicos sejam testados. Tais excessos, como o vandalismo, podem ser pretexto para ações mais rígidas por parte de administradores e governantes. O anseio por mudanças, se expresso de forma irresponsável, pode lesar conquistas anteriores dos alunos e lesar a liberdade nas dependências do campus: a presença policial, antes com o intuito de evitar furtos e assaltos, pode começar a inibir também debates e conversas potencialmente subversivas, num ambiente que deveria ser livre para qualquer discussão, sob a alegação de que manifestações assolam a estrutura do campus, (financiada por dinheiro público).

A polícia militar (teoricamente) foi direcionada às instalações da universidade para diminuir a violência (incluindo assassinatos, como o de um estudante de economia, em maio deste ano). Segundo alguns alunos, há abusos por parte de policiais, como a abordagem de estudantes deitados nos gramados ou a revista de trabalhadores que “olham feio” para os policiais, ao andarem pelo campus. Professores da instituição também não estão imunes a procedimentos semelhantes.

Professor Luiz Renato Martins apóia a ocupação da USP
http://www.youtube.com/watch?v=8MTAcnr-LaQ&feature=share

Apesar dos excessos cometidos pelos estudantes, seria justo dar-lhes a chance de explicar as causas da revolta, freqüentemente atribuída somente à luta pelo direito de consumir entorpecentes nas dependências da universidade. Além disso, enfrentar a tropa de choque oferece riscos como o contato com sprays de pimenta, balas de borracha e cassetetes. Seria o direito de fumar maconha na USP o suficiente para impelir a permanência no prédio da reitoria? Ou há mais razões para os pedidos de negociação quanto ao policiamento no campus e a substituição da polícia militar por uma “guarda treinada”, sendo a detenção de usuários o “estopim” da revolta?

"O uso de drogas nunca fez parte da pauta do movimento"
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/11/entenda-ocupacao-feita-por-alunos-em-predios-da-usp.html

É pertinente buscar informações em fontes distintas, para que as conclusões não surjam apenas de uma das versões dos fatos. Já dizia a publicidade da Pepsi: questione!