terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Verdade Nua

Nus, no éden, estavam Adão e Eva. E como punição por pecarem, os humanos passaram a viver...obrigatoriamente vestidos, sendo estes os únicos animais na Terra com tal obrigação.
Nus estavam seus pais quando fizeram você. Nu você nasceu, embaixo da carroça ou na maternidade. Ricos e pobres, desmazelados e estilosos vestem o mesmo tecido, facilmente manchado e tingido por exposição ao sol e inevitavelmente amassado com o passar dos anos. Não é fácil de se conseguir um novo, mas todos têm direito a uma roupa completa quando nascem. A textura vai depender um pouco da forma como é usado, dos produtos usados para conservá-lo. É importante mantê-lo limpo e levá-lo ao sol de vez em quando, para não ficar mofando em casa.
Algumas grifes de grandes laboratórios começam a desenvolver engenharia de tecidos. Há as doações póstumas, em que ele é enxertado e aproveitado por alguém mais necessitado que um cadáver.
Mas apesar de todas essas características, há quem rejeite sua exposição. O direito de pôr na vitrine tais peças, usá-las em protestos ou simplesmente sair de casa sem a obrigação de vestir uma roupa sobre a outra divide opiniões.



O pudor surgiu com a idéia de pecado original, a idéia de que a reprodução humana (ou sua simulação) é impura e deve ser ocultada ou até mesmo combatida.A partir dessa idéia, qualquer referência à reprodução (e portanto, a nudez) foi severamente podada fora das casas dos cidadãs, sendo eles camponeses ou membros da corte.
Na carta de Pero Vaz de Caminha, referente ao "achamento do Brasil", os nativos pardos "não possuiam nada que lhes cobrisse as vergonhas". Em outro trecho: "Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam." Não havia nos indígenas a idéia de pudor em relação ao próprio corpo (e por que deveria haver?).
Em várias civilizações era comum os indivídios estarem seminus. Tribos indígenas na América do Sul (América do Norte, por características climáticas, exigia vestimenta que trouxesse mais conforto em temperatura mais fria) e aborígenes apresentavam-se seminus. Sabe-se que gregos disputavam as olimpíadas sem roupas. Até hoje nativos de parte da Oceania não "cobrem suas vergonhas" e qualquer animal (pode-se constatar facilmente em cães e gatos) preferem estar nus (roupa é desconfortável SIM).
É comum em escolas de arte o uso de modelos vivos, comumente nus durante as práticas de desenho de observação e representação.
Partindo do princípio de não há nada errado na nudez, surgiram movimentos como o naturismo. O movimento é baseado em textos de William Welby e é caracterizado pelo respeito aos diferentes biotipos, sejam eles trabalhados e definidos com academias e dietas ou não. Prega a "liberdade de expressão", o direito de expor inteiramente seu "tecido", naturalmente produzido: é o culto ao corpo sem que ele precise ser "perfeito". Estimula-se também o contato com a natureza. Não deve ser associado à pornografia ou algo semelhante.
Mas em uma sociedade cujos alicerces surgiram na época de domínio do catolicismo, é preciso respeitar (ou submeter-se às) preferências de indivíduos mais conservadores.
A pessoa que se portar nua pode ser detida por atentado ao pudor. E para desafiar esse conservadorismo ou "chocar" os transeuntes, o nudismo é usado como forma de chamar a atenção para uma causa e pode ser visto em protestos.
Não faço aqui apologia ao naturismo, nem acredito que a sociedade seria melhor se não nos vestíssemos. Apenas questiono a falta de liberdade para (não) nos vestirmos. Despir-se de preconceitos e pudores pode ser o caminho para uma sociedade que admire menos o que é artificial e inatingível, em que anabolizantes e anorexia deformam o corpo e a personalidade de muitos jovens. Se somos a imagem e semelhança da evolução (ao menos em teoria) da espécie, não devemos ter medo do espelho (nem da vitrine).