sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O paradoxo do machismo

Cultua-se aquilo que se admira, um motivo de inspiração. Pode ser por desejo de "posse" ou modelo a ser seguido. Mas se o indivíduo cresce, tornando-se o que admirava e não deixa de cultuar os modelos a serem seguidos, o que resta é o desejo de posse.

A crença de que o homem é superior à mulher só seria pertinente, partindo de um homem, se este admirasse outros homens mais do que as mulheres. A crença, além de pretexto para que ordens sejam dadas sem empatia, pode ser motivo para todo tipo de agressão.

Agressão não se resume a atos físicos: pode ser verbal ou partir de atitudes direcionadas ao constrangimento alheio. Portanto, pode ser causada por humilhação, traição e ameaças.

Razões da violência? Possivelmente a frustração com o padrão de heteronormatividade e de ter de parecer heterossexual (por isso ser casado). O cônjuge passa a detestar a esposa e tenta encontrar prazer "experimentando" várias mulheres, às vezes simultaneamente. Mesmo assim não se sente realizado. Passa a odiar as mulheres em geral e decide maltratá-las. Resta à esposa conviver com um homem contundente, que agride não só a ela, mas aos filhos e qualquer um que assista às cenas de maus tratos. Os braços fortes que deveriam proteger a família passam a atacá-la. Um homem que poderia ser exemplo para seus filhos torna-se seu maior inimigo e motivo de vergonha.

Em pesquisas realizadas, constatou-se que a maioria das mulheres suporta a violência doméstica por questões financeiras. As dificuldades para conseguir o próprio sustento e o dos filhos impõem a permanência na mesma casa do agressor. Mas há aquelas que, apesar de tudo, não perdem a capacidade de amar e têm a esperança de que o marido mude. Não mudará. A diferença será visível apenas nos filhos, que terão sempre memórias do convívio familiar e poderão perder muitas das melhores coisas da vida, inclusive a capacidade de acreditar no amor.

domingo, 20 de novembro de 2011

Melanina cultural

A escravidão foi parte da cultura de diversos povos, que assim puniam devedores e prisioneiros de guerra. Em relações ecológicas, algumas espécies praticam o esclavagismo, como ocorre quando formigas aprisionam um pulgão. No Brasil, apesar da persistência do trabalho escravo em algumas circunstâncias (mesmo com a proibição legal), o exemplo mais marcante da prática foram os trabalhos forçados dos africanos que aqui chegaram. Muitos não aceitavam as condições impostas, tentando a fuga daquela situação até por meio de suicídio. Os que conseguiam escapar "com vida" mudavam-se para os quilombos.

Em 20 de novembro de 1695, foi morto nas proximidades de Recife o líder quilombola mais famoso da história brasileira: Zumbi dos Palmares. A data tornou-se o dia da consciência negra. Ao contrário do que muitos pensam, Zumbi não foi o fundador do Quilombo dos Palmares: a comunidade teria surgido com o líder Ganga Zumba. Sua liderança foi passada à Zumbi quando os integrantes recusaram-se a aceitar um "acordo de paz" com a coroa portuguesa, ao qual Ganga Zumba quis aderir. Zumbi discordou e seus colegas o escolheram para comandar o quilombo.

Alguns historiadores afirmam que no quilombo todos eram livres, estando entre eles índios e brancos de baixa renda. Outros dizem que havia escravos no próprio quilombo, sendo Zumbi resistente apenas à própria escravidão, tendo perseguido negros que se recusavam a permanecer no quilombo. Mas a maioria concorda quanto à sua atuação contra as constantes investidas militares na região, sendo o líder figura fundamental para a preservação daquela comunidade. Portanto, tornou-se símbolo da resistência negra e da luta pela liberdade.


Monumento em homenagem a Zumbi, no Rio de Janeiro.

Quase um século após a morte de Zumbi ocorreu a Revolução Haitiana, que determinou a independência e (conseqüentemente) a abolição da escravidão no Haiti, pois a população era predominantemente escrava. A batalha na colônia de Saint-Domingue, que culminou no rompimento com a coroa francesa (metrópole), fez do Haiti o primeiro país governado por afrodescendentes.



Quase cem anos depois, em 1888, o Brasil decretou o fim do trabalho escravo. Leis anteriores surtiram pouco efeito, pois eram incoerentes com a realidade vivida pelos negros: a Lei do Ventre Livre, de 1871, libertava recém-nascidos, mas mantinha seus pais escravos. A Lei dos Sexagenários, de 1885, libertava escravos com mais de 60 anos. Pouquíssimos atingiam a faixa etária e se atingissem, não teriam condições físicas de trabalhar pelo próprio sustento. O Brasil foi a última nação ocidental a abolir a escravidão.

Mesmo após a libertação dos negros, havia políticas que tratavam-nos como pessoas inferiores. A Revolta da Chibata, ao final de 1910, partiu de afrodescendentes da marinha brasileira, contra castigos corporais. Em 1948, foi adotado na África do Sul o Apartheid, que negava aos não caucasianos a presença em determinadas escolas e hospitais, além de dividir o espaço público entre áreas para brancos ou negros (Lei de Reserva dos Benefícios Sociais). Surgiram também leis de proibição de casamentos mistos (inter-raciais), áreas de agrupamento (definia locais em que determinadas etnias poderiam fixar-se). Criou-se a classificação dos afrodescendentes como "bantus", eliminando sua cidadania sul-africana e oferecendo-lhes um sistema educacional diferenciado (incentivo ao trabalho braçal).

Nelson Mandela foi ativista contra o Apartheid. Foi condenado à prisão perpétua, por recusar-se a abandonar suas reivindicações. Foi liberado após 28 anos de reclusão, por pressão da internacional. Foi convidado a integrar o Congresso Nacional Africado e posteriormente eleito o primeiro presidente negro sul-africano.



Contemporânea a Mandela foi a costureira Rosa Parks, negra que se recusou a ceder seu lugar no ônibus para um homem branco, em dezembro de 1955, nos Estados Unidos. O episódio teve grande repercussão e foi o ponto de partida para o manifestações anti-segregacionistas. O pastor Martin Luther King Jr concordou com a atitude de Rosa e passou a pregar, em seus sermões, o amor ao próximo e a não violência como formas de inclusão étnica. É freqüentemente lembrado por este discurso:

http://www.youtube.com/watch?v=yCLCyvF9p7g&feature=player_embedded

Ainda que não inteiramente realizado, seu sonho foi base para a recente realidade de muitos. Em constante transformação, como as células humanas, incluindo os melanócitos (produtores de melanina, pigmento que escurece a pele para protegê-la da ação de raios solares). A secreção em questão torna-se visível externamente, ao contrário de muitas no organismo, que teriam muito mais motivos para serem alvos de atenção. Tão insignificante nas relações humanas, não deveria ser a causa de tanto sangue e lágrimas derramadas. Somos todos da mesma espécie. Mas alguns se mostram mais evoluídos, por sua coragem de superar obstáculos impostos pela ignorância e a falta de altruísmo.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Modelos em escombros

Nesta semana foram divulgadas as imagens de um calendário produzido com modelos do Reino Unido: fuzileiros navais após operações em países asiáticos. Perdas físicas são visíveis, apesar do entusiasmo e da determinação aparentemente perseverantes nos guerreiros, em cenas de práticas de esporte e exercícios em academias. O fotógrafo responsável afirmou que a intenção foi mostrar que "há aspectos positivos na guerra".

Na guerra, corpos e mentes saudáveis são lesados pelo aparato desenvolvido para atingir "o inimigo". O "inimigo", como se vê, é qualquer forma de vida acertada pelo arsenal, não importando a que exército pertença. Pessoas de diversas faixas etárias, animais selvagens ou domésticos, lavouras, todos estão sujeitos à ação dos armamentos. Ainda que voltados a determinados segmentos, como o agente laranja, - desfolhante usado no Vietnã, para facilitar a visualização aérea de possíveis alvos - podem ter efeito catastrófico quando em contato com os demais: o agente em questão causou impactos à vida dos humanos que tocou, além de aumentar as chances de má formação em seus descendentes.

Se há algo de positivo nas conseqüências de uma guerra, especialmente para os soldados, talvez seja a percepção de que a destruição não tem farda: afeta tanto quem tenta causá-la quanto quem dela tenta fugir. Há a chance de surgimento de alguma empatia após essa conclusão: o indivíduo ferido de forma física ou emocional (inclusive pela morte de parentes ou companheiros de batalha) pode imaginar um "oponente" na mesma situação. Infelizmente, essa empatia, se não servir de estímulo aos anseios pela paz, é "consolo" para os rancorosos: seu sofrimento seria semelhante ao dos adversários.



O calendário então é uma forma de conscientização: registro da duração de um ano, em toda a sua "densidade", alusão aos desafios diários da vida dos ex-combatentes. Ex-combatentes? Não: presos a uma eterna batalha de superação, dependentes de um arsenal tecnológico e estratégias para o desvio de arrependimentos e péssimas lembranças do confronto. As fotos são o reflexo de que, diante de um confronto armado, mesmo os mais experientes, fortes e treinados são vulneráveis. Foram produzidas na unidade de Hasler, dedicada aos cuidados com os militares feridos. Na delicadeza das mãos de enfermeiros e fisioterapeutas recuperam-se "corpos sarados" incompletos e mentes deprimidas ou ligeiramente doentes.

Quando oficiais são vítimas de percalços, certas autoridades são mais facilmente sensibilizadas, criando instituições para cuidar dessas pessoas. Os mesmos órgãos são acessíveis a pesquisadores e empresas, não necessariamente conterrâneos, que ali desenvolvem soluções para aumentar o conforto e a mobilidade dos indivíduos. As soluções apresentadas tornam-se disponíveis a vários cidadãos acidentados, portadores de deficiência ou algum problema motor. Nesse caso, a interação entre pessoas diferentes, educadas ou não para pensarem da mesma forma, atende interesses convergentes. Daí poderia vir a mensagem de esperança que o calendário quis transmitir. Portanto, mais útil que sua presença na parede dos civis seria sua existência nas mesas dos gabinetes de políticos, para que as conseqüências de uma guerra e da união entre pessoas sejam sempre lembradas.

Fotos usadas no calendário dos fuzileiros ingleses
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/11/111109_fuzileiros_galeria_fn.shtml

Sugestão de filme sobre a "apologia" à guerra:

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Reitoria e mídia ocupadas



A atuação de policiais no campus da USP – Universidade de São Paulo – divide opiniões... Entre os próprios alunos e poucos indivíduos que buscam uma versão dos fatos diferente da relatada pela maioria dos jornais. Várias pessoas não têm divergências de opinião, já que aceitaram a visão pré-fabricada por determinados meios de comunicação: Taxaram de “vagabundos” e “maconheiros” os manifestantes, sem ao menos tentar descobrir as causas dos protestos e confrontos com a polícia. Claro, eu também não estava lá nos dias em que tudo aconteceu, mas creio que seria interessante fazer algumas considerações.

A “incompatibilidade” entre o movimento estudantil e os policiais é antiga, tendo sua maior expressão no período da ditadura militar. A época é referência para o ativismo de hoje, constantemente interpretado como “rebeldia sem causa”, já que aos olhos de muitos a democracia e a liberdade de expressão já estão devidamente estabelecidas e não há razão para ações tão contundentes.

Atitudes nos protestos nem sempre são condizentes com os ideais pregados: a democracia e a liberdade defendidas são “postas à prova” quando ocorre a depredação do patrimônio público ou a “libertinagem” em relação às substâncias consumidas no campus. Ideologias libertárias e propostas de novas políticas quanto à descriminalização das drogas (por exemplo) tornam-se pretexto para que limites de conduta em ambientes públicos sejam testados. Tais excessos, como o vandalismo, podem ser pretexto para ações mais rígidas por parte de administradores e governantes. O anseio por mudanças, se expresso de forma irresponsável, pode lesar conquistas anteriores dos alunos e lesar a liberdade nas dependências do campus: a presença policial, antes com o intuito de evitar furtos e assaltos, pode começar a inibir também debates e conversas potencialmente subversivas, num ambiente que deveria ser livre para qualquer discussão, sob a alegação de que manifestações assolam a estrutura do campus, (financiada por dinheiro público).

A polícia militar (teoricamente) foi direcionada às instalações da universidade para diminuir a violência (incluindo assassinatos, como o de um estudante de economia, em maio deste ano). Segundo alguns alunos, há abusos por parte de policiais, como a abordagem de estudantes deitados nos gramados ou a revista de trabalhadores que “olham feio” para os policiais, ao andarem pelo campus. Professores da instituição também não estão imunes a procedimentos semelhantes.

Professor Luiz Renato Martins apóia a ocupação da USP
http://www.youtube.com/watch?v=8MTAcnr-LaQ&feature=share

Apesar dos excessos cometidos pelos estudantes, seria justo dar-lhes a chance de explicar as causas da revolta, freqüentemente atribuída somente à luta pelo direito de consumir entorpecentes nas dependências da universidade. Além disso, enfrentar a tropa de choque oferece riscos como o contato com sprays de pimenta, balas de borracha e cassetetes. Seria o direito de fumar maconha na USP o suficiente para impelir a permanência no prédio da reitoria? Ou há mais razões para os pedidos de negociação quanto ao policiamento no campus e a substituição da polícia militar por uma “guarda treinada”, sendo a detenção de usuários o “estopim” da revolta?

"O uso de drogas nunca fez parte da pauta do movimento"
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/11/entenda-ocupacao-feita-por-alunos-em-predios-da-usp.html

É pertinente buscar informações em fontes distintas, para que as conclusões não surjam apenas de uma das versões dos fatos. Já dizia a publicidade da Pepsi: questione!