quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Sinais de fumaça

Em resposta à tentativa de "compra" da terra ocupada por índios da tribo Suquamish, o chefe Seatle escreveu uma carta ao presidente Franklin Pierce. As palavras do chefe tribal ficaram famosas e a carta, redigida em 1854, foi considerada o primeiro documento ambiental.

Trechos: "... O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro - o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda vida que mantém."



Não sei se procede, pois apesar de descendente dos "homens vermelhos", pelos meus hábitos sou considerada "branca". Ainda assim, posso dizer que sinto o cheiro das cinzas que tornam a pele amarelada: cigarro. Sim, os índios eram conhecedores do tabaco, mas este fazia parte de rituais e não era consumido "o tempo todo". Além disso, não era misturado à nicotina e outras substâncias componentes do cigarro. Provavelmente Seatle concordaria que a fumaça em questão faz parte do "mau cheiro" que o homem branco ignora.

Festinhas de fim de ano, viagens em transporte coletivo e a ocupação de áreas “improdutivas” (destinadas especialmente ao ócio) estão por vir e o presente texto não se trata de mais palavras de esperança e nostalgia associadas ao fim do ano: As linhas a seguir trazem palavras contundentes, sem ternura, numa crítica ácida aos “sinais de fumaça”. Portanto, para garantir o bom humor no resto do dia, pare por aqui! Peço desculpas aos que prosseguirem a leitura e se sentirem agredidos, mas veio a mim um impulso de tratar do tema e talvez mais pessoas tenham o mesmo protesto a fazer.

A decisão de iniciar gradativamente a própria cremação, carbonizando principalmente as vias aéreas, cabe a cada um. Mas vale lembrar que não são só familiares e amigos que lamentam as conseqüências: além dos gastos na área da saúde, pagos inclusive com impostos dos não fumantes, aqueles que convivem (ainda que raramente) com a fumaça, o mau hálito e o odor (agravados quando são consumidos os cigarros “pirateados”) são demasiadamente incomodados.

Viagens de ônibus, por muitas horas, não são das mais confortáveis (exceto em leitos). Certamente pioram se o cheiro de quem está próximo for muito forte. Claro, há fedores e fedores, mas trataremos apenas dos de cigarro. Um de marca conhecidíssima, no “sabor” tarja vermelha, é dito até por amigos fumantes que “fede horrores”. Concordo, mas seria injusto não citar concorrentes à altura (em minha opinião, até mais “socialmente venenosos”): os falsificados, cujo odor chega a causar náuseas. Não é exagero: já viajei por mais de sete horas ao lado de alguém que havia fumado, em seqüência, alguns destes. Foi revoltante e desesperador. Porém, lembrando um princípio de educação e empatia, de modo algum trataria mal a pessoa ao meu lado. Guardei para mim o desconforto daquela ocasião e tentei não ser muito lacônica ao ouvir suas histórias, embora uma reflexão não pudesse deixar de ocorrer: eu estaria mais feliz se existissem lugares reservados aos fumantes nos ônibus, mesmo com a proibição de fumar em seu interior. Assim, a respiração fluiria naturalmente, sem se tornar motivo de estresse.

Praias são ambientes de descanso e diversão, o refúgio após exaustivos meses de trabalho ou estudos. Todos merecem aproveitá-la da melhor forma e entendo que os fumantes tenham o desejo de fumar na praia. Mas é muito desagradável quando, após peregrinar para encontrar um espaço livre para guarda-sol e cadeiras, você se instala e alguém nas proximidades, logo depois, acende um cigarro e o vento leva a fumaça até você. Simultaneamente ao consolo de que o cigarro da pessoa já está no fim, vem à mente o padrão de consumo de cigarros: dificilmente alguém fuma só um cigarro durante um período na praia e por todo o tempo em que cigarros forem acesos, o vento provavelmente não mudará de direção. É realmente irritante, pois ao contrário de um lugar público em que você possa se afastar ou trocar de mesa, a praia tem altíssima densidade demográfica e pouco território disponível para migrações. Além disso, um novo esforço para se fixar o guarda-sol na areia seria feito e não há garantia alguma de que o novo lugar estará livre da fumaça.



Já dizia o pai do cineasta André Abujamra: “ a vida é sua, estrague-a como quiser”. Contudo, afetamos sutilmente a vida alheia a cada escolha que fazemos. Não cabe a mim questionar os motivos que levaram qualquer indivíduo a começar a fumar ou julgar os que não pararam de fumar. Da mesma forma que não fumantes não querem “sua praia invadida”, os fumantes às vezes querem apenas o direito de manter um hábito “em paz”. Cabe a cada ser vivo determinar as concessões que fará para conviver sociedade, mas cada um é dono da própria saúde e não é justo prejudicar os demais por nossos hábitos. Portanto, ao acender um cigarro, lembre-se de há mais seres vivos para inalar a fumaça ao redor.

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